segunda-feira, 26 de maio de 2014

Artigo publicado no 3º CHIS - Congresso Internacional de Sustentabilidade e Habitação de Interesse Social

Habitação popular e os modos de morar modernos: Conjunto Governador Juscelino Kubitschek

Angela Cristiane Fagundes (1) Raquel Rodrigues Lima (2)
(1) Acadêmica da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: angela.fagundes@acad.pucrs.br
(2) Professora do Dep. de História da FAU, PUCRS, Brasil. E-mail: raquel.lima@pucrs.br
Resumo: No final do século XIX a habitação precária começa a ser um problema no Brasil. O crescimento demográfico gera a aglomeração de trabalhadores mal alojados. A saúde pública torna-se uma ameaça. A reforma nos espaços através de um código de posturas fez-se necessária, ocasionando uma nova forma de morar. Foi significativo o impacto da ação governamental em algumas cidades brasileiras, embora, de uma forma geral, a necessidade fosse muito maior. A iniciativa privada buscou atender a demanda excedente, produzindo uma série de conjuntos habitacionais. A arquitetura moderna contribuiu para a renovação das tipologias de projetos, processo construtivo, implantação urbanística e modos de morar modernos surgem no século XX, em diferentes fases e níveis de desenvolvimento, com características gerais e específicas com relação às diversas realidades culturais, sociais, econômicas e políticas. O presente artigo possui como objeto de estudo a análise do projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte. O objetivo é a reflexão acerca da habitação popular brasileira moderna através do estudo de caso, na busca de instrumentos e alternativas que possam ser utilizadas como possíveis referenciais para novos projetos.
Palavras-chave: Habitação popular brasileira; arquitetura moderna; modos de morar.
Abstract: In the late nineteenth century the precarious housing starts to be a problem in Brazil. Population growth demographic agglomeration of poorly housed workers. Public health becomes a threat. The reform in the spaces through a code of postures was required, causing a new way of living. Was significant the impact of government action in some Brazilian cities, although, in general, the need was much greater. Private initiative sought to meet excess demand, producing a series of housing projects. Modern architecture contributed to the renewal of project typologies, building process, deployment and urban modes of modern living emerge in the twentieth century, at different stages and levels of development, with general and specific features with respect to different cultural realities, social, economic and policies. This article has as its object of study design reviews of Oscar Niemeyer for Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, in Belo Horizonte. The aim is to reflect on the modern Brazilian popular dwellings through the case study in search tools and alternatives that can be used as references for potential new projects.
Key-words: Brazilian popular dwellings; modern architecture; ways of living.
1. INTRODUÇÃO
Novos modos de morar modernos surgem no século XX, em diferentes fases e níveis de desenvolvimento, com características gerais e, ao mesmo tempo, específicas com relação às diversas realidades culturais, sociais, econômicas e políticas. O presente artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla, possui como objeto de estudo a habitação popular produzida no Brasil com qualidades arquitetônicas visíveis, entre o período de 1945 e 1960. A investigação tem como objetivo geral levantar aportes teóricos e sistematizar análises de estudos de casos de edifícios de habitação popular produzida no Brasil, que possam ser utilizados como possíveis referenciais para novos projetos, resguardadas as suas especificidades e contextos. A partir do levantamento de alguns projetos significativos, serão apresentados os estudos, seguidos de uma matriz de análise, do seguinte projeto: Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
O tema é complexo e exige aprofundamento. No intuito de apresentar uma breve introdução, alguns dados referentes às cidades brasileiras do final do século XIX tornam-se relevantes, principalmente quando se trata das transformações urbanas que se intensificaram nos grandes centros. Na cidade de São Paulo, por exemplo, identifica-se o aumento da população, sendo a chegada de imigrantes um dos importantes fatos determinantes para a elevação da densidade, o que causa a expansão descontrolada da malha urbana. A habitação existente neste momento era precária e insalubre. As condições do meio, como a topografia e a falta de saneamento adequado, favoreceram a proliferação de epidemias, fato determinante para uma intervenção higienista (BONDUKI, 2011, p. 33).
Dentro deste contexto, o governo deu início a políticas de estímulo à iniciativa privada, com o intuito de atender a demanda do setor imobiliário, por meio de incentivos ficais e oportunizando a alternativa de ofertas de casas rentitas. Assim, a partir de 1930, começa a consolidar-se uma nova abordagem sobre o tema da habitação social, sendo entendido como um tema multidisciplinar, ou seja, compreendendo diferentes campos do conhecimento, tais como: sociologia, política, filosofia, economia, engenharia e arquitetura.

Outra importante iniciativa neste panorama ocorreu também por parte do poder público que procurou fortalecer os órgãos governamentais - Fundação da Casa Popular, Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensão e Departamento de Habitação – com o mesmo objetivo de suprir a necessidade de habitação. A partir desse momento, surgem diversas iniciativas de implantações de projetos de grande porte, configurando-se em uma das inovações destes empreendimentos, com número de unidades habitacionais acima de 2000 unidades, num cenário onde o máximo era de 200 habitações.

Projetos brasileiros adquirem visibilidade internacional, como é o caso do Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, iniciativa essa proveniente do poder público. O Conjunto Habitacional Pedregulho insere-se, portanto, no quadro de outras iniciativas realizadas com os recursos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs, no âmbito do Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal. Este Departamento notabilizou-se por implementar uma série de projetos com características semelhantes ao Pedregulho, entre os quais podem ser lembrados o Conjunto Residencial do Realengo, do arquiteto Carlos Frederico Ferreira; o projeto para a Vila Guiomar, em Santo André, de Carlos Frederico Ferreira (1949); o Conjunto Residencial Passo d'Areia, em Porto Alegre, de Marcos Kruter e Edmundo Gardolinski (1946); o Conjunto Habitacional da Gávea, também de Affonso Eduardo Reidy (1954), e o Conjunto Residencial de Vila Isabel, de Francisco Bolonha (1955).

O presente artigo busca uma reflexão a respeito da habitação popular brasileira moderna, período de importantes contribuições urbanísticas e arquitetônicas, e possui como objeto de estudo a análise do projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek (1951), em Belo Horizonte, exemplo da iniciativa privada.

2. OBJETIVOS DA PESQUISA
O presente trabalho aborda a pesquisa em curso Arquitetura da Habitação Popular: alguns estudos de casos sobre os modos de morar e possui como objetivo geral a busca de dados, a análise e a reflexão sobre instrumentos e alternativas que possam ser utilizadas como possíveis referenciais para novos projetos. O objetivo central está na reflexão acerca da habitação popular brasileira moderna através do estudo de caso do projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
2.1. Objetivo Geral:
Estimular a busca de alternativas para a produção de habitação de interesse social nos dias de hoje, a partir da investigação de exemplos da Arquitetura Popular Moderna, especificamente do projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
2.2  Objetivos Específicos
Os objetivos específicos da pesquisa, originária do presente artigo, são:
a) fundamentação do tema a partir do estudo de aportes teóricos sobre a Arquitetura da Habitação Popular, produzida no Brasil, no período entre 1945 e 1960;
b) investigação, seleção e catalogação de estudos de casos da Arquitetura da Habitação Popular Brasileira;
c) desenvolvimento de uma matriz de análise de projetos paradigmáticos da habitação brasileira;
d) reflexão sobre as possíveis características de identidade dos exemplares selecionados sobre os modos de morar modernos, especificamente, na obra do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek;
e) participação em eventos científicos na área do conhecimento.
3.  JUSTIFICATIVA
O aprofundamento do estudo da arquitetura da habitação coletiva popular é fundamental por vários motivos. Um dos aspectos motivadores no momento atual é o panorama brasileiro que apresenta, por um lado, um grande déficit habitacional para diferentes grupos sociais da sociedade; e, por outro lado, um representativo investimento por parte do governo federal por meio de programas destinados a financiar a casa própria para esse contingente.
No caso da Arquitetura Moderna, a tipologia de habitação coletiva contribuiu, significativamente, para a renovação de implantações urbanísticas, projetos arquitetônicos, processos construtivos, implementação de programas habitacionais e inovação nos modos de morar. Algumas das principais propostas urbanísticas seguiam tendências de Ebenezer Howard com a Cidade Jardim; e de Le Corbusier, com a cidade moderna exemplificada pela Unidade de Habitação de Marselha. Seguindo as recomendações do 2º CIAM (1929, Alemanha, Unidade de Habitação Mínima), valorizava-se a célula da moradia e os equipamentos coletivos, ou seja, funções domésticas transferidas aos equipamentos sociais e comunitários, tais como lavanderias coletivas, creches, salas de reuniões, etc.
“A habitação tornava-se a parte mais importante da cidade, inseparável dos espaços de recreação e demais equipamentos como assistência médica, ensino, comércio, transporte. [...] forjavam maneiras de convivência entre seus habitantes: do controle da célula habitacional às áreas livres. [...] O projeto desses espaços buscava ordenar as relações sociais, a vida comunitária, afetando o sentido de privacidade e coletividade de seus moradores.“ (SEGAWA, 2010, p. 121)
As vivências tradicionais urbanas mantêm-se presentes nos modos de viver da cidade moderna, com algumas alterações. Conforme CERTAEU (1996, p. 42), o bairro tradicional seria uma ampliação da habitação, onde a soma das trajetórias utilizadas pelos usuários, a partir do sua moradia, poderia se configurar em uma superfície urbana transparente para todos ou estatisticamente mensurável. Desta forma, o bairro e moradia teriam, cada um deles, os limites que lhes são próprios, e a taxa de controle pessoal. O bairro seria um espaço de uma relação com o outro como ser social, onde o ato de sair de casa e andar pela rua, seria efetuar um ato cultural.
A presença da modernidade, nas grandes cidades, oferecia uma nova possibilidade de habitar, um habitar moderno, que incluiria uma nova visão de bairro, concentrada, talvez, em grandes edifícios de apartamentos que, além de indicar maneiras de convivências entre seus habitantes, situavam-no num patamar do progresso da época. Conforme Segawa, o urbanismo moderno teria criado espaços urbanos com essas características:
 “Os conjuntos residenciais forjavam maneiras de convivências entre seus habitantes: do controle da célula habitacional às áreas livres, o projeto dos espaços buscava ordenar as relações sociais, a vida comunitária, afetando o sentido de privacidade e de coletividade de seus moradores. É inegável a vocação educadora desses espaços, o imprimir uma moral inerente à doutrina do urbanismo moderno.” (SEGAWA, 2010, p. 121)
O estilo de vida metropolitano situava os habitantes no progresso crescente das cidades da metade do século XX, implicando na oferta de um status social próprio do habitar moderno, conforme Passos:
“Morar num edifício de apartamentos parecia significar participar desse vertiginoso e crescente progresso, enfim ter um estilo de vida metropolitano, o que se colocava implicitamente como um fator de status social [...] A nova forma de habitar era também vista como restritiva a imaginação e empobrecedora das experiências existenciais e simbólicas do espaço, principalmente para as crianças.” (PASSOS, 1998, p. 25)
 
Ainda fazem parte desse cenário as células habitacionais, unidades mínimas de moradia, que possuíam uma concentração das funções básicas, mas que deveriam atender às necessidades do morar moderno. Teixeira cita a expressão Máquina de Morar como fundamental característica do morar moderno:
“A Máquina de Morar, um dos maiores slogans do Movimento Moderno, é a célula habitacional tratada como mais um elemento utilitário dos tempos da produção em massa; enquanto a unidade de habitação é o conceito que incorpora a repetição de células habitacionais em um só bloco com várias funções auxiliares, como playground, cinema, lojas, padaria, etc.” (TEXEIRA, 1998, p. 210)
A Arquitetura Moderna, por meio dos novos modos de morar, apresenta a tipologia de habitação coletiva como contribuição às diferentes formas de morar, renovando as alternativas de implantação urbanística, projetos arquitetônicos, processos construtivos e implementação de programas habitacionais.
4. MÉTODO EMPREGADO
A pesquisa segue os critérios de um trabalho teórico, conforme o seguinte procedimento metodológico: a) pesquisa bibliográfica em livros, revistas e ambiente virtual; b) seleção de projetos de habitação popular, no período entre 1945 a 1960; c) organização do material referente a cada exemplar através de fichas de catalogação de projetos arquitetônicos e urbanísticos e imagens fotográficas; d) análise arquitetônica por meio de uma matriz de análise com o foco de identificar os modos de morar por meio do contexto histórico, da implantação dos projetos em lotes urbanos, da funcionalidade das edificações e das características formais, compositivas e de caráter.
O levantamento de dados e estudos de casos por meio de análise arquitetônica de exemplares da arquitetura da habitação popular, produzida no Brasil, nos anos de 1950 e décadas seguintes do século XX, teve início na pesquisa bibliográfica. A partir do panorama amplo de exemplos de conjuntos habitacionais do período, selecionou-se alguns exemplares a serem estudados (Tabela 01).
OBRA
ARQUITETO
E EQUIPE
CARACTERÍSTICAS
LOCAL
DATA DE
PROJETO
Conjunto Residencial
Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho)
Arquiteto Affonso Eduardo Reidy;
Engenheira Carmen Portinho;
Paisagismo Roberto Burle Marx;
Painéis de Candido Portinari, Burle Marx e Anísio Medeiros.
Conjunto habitacional vertical, com complexo plano urbanístico, contendo espaços de lazer, conveniência e serviços, tais como: creche, posto de saúde, ginásio esportivo, escola, lavanderias coletivas, igreja.
É constituído por sete edifícios: três residenciais, quatro de serviço e áreas de lazer e piscina.
Rio de Janeiro (RJ)
Data de Projeto:1946
 
Data de Entrega:
1947/58
Conjunto Residencial da Gávea
(Conjunto Residencial Marquês de São Vicente)
Affonso Eduardo Reidy
 
O projeto original previa a construção de 748 apartamentos, creche, escola primária e secundária, playground, mercado, lavanderia, posto de saúde, igreja, teatro, campos de esportes, administração e um departamento de serviço social. Só o bloco principal, as lavanderias e o posto de saúde foram construídos. Atualmente são 308 apartamentos, cerca de 1500 moradores, seis porteiros e não possui elevadores.
Rio de Janeiro (RJ)
Data de Projeto:1952
Conjunto Residencial do Realengo
Carlos Frederico Ferreira
Conjunto habitacional com cerca de 2.000 habitações, faz parte de uma série de projetos de habitação, realizado pelo Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI).
Rio de Janeiro (RJ)
Data de Projeto:1940
Data de Entrega:1943
Conjunto Governador Juscelino Kubitschek (CGJK)
 
Arquiteto Oscar Niemeyer
Cliente: Governo do Estado de Minas Gerais
Cálculo estrutural: Joaquim Cardoso
Incorporador: Joaquim Rolla
 
Um edifício dividido em dois blocos de 26 e 36 andares, com cerca de 1090 apartamentos, assume-se como lugar de moradia permanente, serviços rodoviários, de hotelaria, funcionalidade moderna com amplo espaço para convivência, restaurantes, museu de arte, boate, teatro, cinema, etc. Previam-se apartamentos com diversas tipologias como duplex, semi-duplex em vários tamanhos, kitchenettes com facilidades de hotel.
Belo Horizonte (MG)
Data de Projeto:1951
 
Data de Entrega: 1953 – 1970
Edifício Copan
Oscar Niemeyer
Conjunto de implantação na área central da cidade, possui cerca de 1220 apartamentos de diferentes tamanhos e programas organizados em setores estanques, com ingressos e circulação vertical separados uns dos outros. Incluía serviços de hotel, lazer, comércio e área livre em um amplo terraço jardim;
São Paulo (SP)
Data de Projeto:1951
 
Data de Entrega:1971
Edifício Nações Unidas
Abelardo de Souza
- Implantação: esquina com a Avenida Paulista;
- Programa de múltiplas funções: comércio, serviços e residências;
- Setor de escritórios isolados em um bloco vertical e os setores residenciais não se articulava entre si;
- Três tipos de apartamento, de 1, 2, 3 dormitórios;
São Paulo (SP)
Data de Projeto:
1952/53
 
Data de Entrega:1959
Edifício Holidayo das residências de verão da classe média pernambucana. Construído entre 1957 e 1959, foi um dos primeiros arranha-céus da capital, junto com o Acaiaca e o Califórnia – erguidos no mesmo bairro também no final da década de 1950. “É um marco na arquitetura modernista da cidade”, explica Maurício Rocha de Carvalho, coordenador do curso de arquitetura e ur­banismo da UFPE. “Até ser cercado por outros, a forma do edifício se destacava muito na paisagem, e isso o transformou num emblema de Boa Viagem.” No entanto, a megalomania (ao menos para a época) do projeto do engenheiro Joaquim de Almeida Marques Rodri­gues desvirtuou as nobres intenções do empreendimento. O que era para ser um local de veraneio e repouso familiar eventualmente vi­rou refúgio para as fuleiragens de maridos infiéis. Rapidamente saiu dos classificados de imóveis para a editoria de polícia. Hoje espalha-se por 416 apartamentos (divididos em 317 quitinetes, 65 quarto-e-salas e 34 dois-quartos), uma fauna humana digna de romances naturalistas. Entre as quase 3 mil pessoas que ocupam os 17 andares do prédio encontram-se famílias de baixa renda, arte­sãos e uma abundante população de prostitutas e traficantes. Nem
Joaquim de Almeida Marques Rodrigues
Bloco semicircular, implantado no centro de um lote trapezoidal de esquina, localizado em área pouco consolidada da cidade de então, propunha vários serviços que viabilizaram a moradia permanente de famílias na área. Estavam previstos, em edifícios anexos, um centro de abastecimento e uma área para restaurante. No térreo, localizavam-se as lojas e o acesso aos apartamentos.
Recife (PE)
Data de Projeto:1958
Edifício Holidayo das residências de verão da classe média pernambucana. Construído entre 1957 e 1959, foi um dos primeiros arranha-céus da capital, junto com o Acaiaca e o Califórnia – erguidos no mesmo bairro também no final da década de 1950. “É um marco na arquitetura modernista da cidade”, explica Maurício Rocha de Carvalho, coordenador do curso de arquitetura e ur­banismo da UFPE. “Até ser cercado por outros, a forma do edifício se destacava muito na paisagem, e isso o transformou num emblema de Boa Viagem.” No entanto, a megalomania (ao menos para a época) do projeto do engenheiro Joaquim de Almeida Marques Rodri­gues desvirtuou as nobres intenções do empreendimento. O que era para ser um local de veraneio e repouso familiar eventualmente vi­rou refúgio para as fuleiragens de maridos infiéis. Rapidamente saiu dos classificados de imóveis para a editoria de polícia. Hoje espalha-se por 416 apartamentos (divididos em 317 quitinetes, 65 quarto-e-salas e 34 dois-quartos), uma fauna humana digna de romances naturalistas. Entre as quase 3 mil pessoas que ocupam os 17 andares do prédio encontram-se famílias de baixa renda, arte­sãos e uma abundante população de prostitutas e traficantes. Nem
Joaquim de Almeida Marques Rodrigues
Bloco semicircular, implantado no centro de um lote trapezoidal de esquina, localizado em área pouco consolidada da cidade de então, propunha vários serviços que viabilizaram a moradia permanente de famílias na área. Estavam previstos, em edifícios anexos, um centro de abastecimento e uma área para restaurante. No térreo, localizavam-se as lojas e o acesso aos apartamentos.
Recife (PE)
Data de Projeto:1958
TABELA 01: Conjuntos Habitacionais do período de 1945 à 1960.
FONTE: Tabela elaborada por Angela Fagundes, 2013.

Com a finalidade de iniciar a reflexão a respeito da habitação popular brasileira moderna, a partir do univerno pesquisado – conforme tabela 1 -, no período de importantes contribuições urbanísticas e arquitetônicas, a seguir apresenta-se como objeto de estudo a análise do projeto de Oscar Niemeyer para o Conjunto Governador Juscelino Kubitschek (1951), em Belo Horizonte, exemplo da iniciativa privada.

5. RESULTADOS

O Conjunto Governador Jucelino Kubitschek, situado ao endereço da Rua Guajajaras número 1268, no Centro de Belo Horizonte, foi projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, tendo o responsável pelos cálculos estruturais Joaquim Cardoso, a partir da solicitação do Estado de Minas Gerais, governado neste momento por Jucelino Kubitschek, com a incorporação de Joaquim Rolla.
A seguir será apresentada a cidade de Belo Horizonte; o entorno imediato ao Conjunto, que é constituido pela Praça Raul Soares; o quarteirão e o edifício; e por fim, as unidades habitacionais.
5.1.Cidade: Belo Horizonte
Após longa e minunciosa pesquisa a respeito do lugar, geografia, topografia e vários condicionantes de ordem higienista, o engenheiro Aarão Reis a localização da atual cidade de Belo Horizonte para a nova capital mineira. A Ouro Preto, com suas ruelas estreitas e insalubres por falta de ventilação e circulação adequada, não comportava mais as aspirações da nova elite republicana (PIMENTEL,1989 p. 16).
“Aarão Reis, engenheiro, administrador, ardoroso fã da cidade de Washington, da Paris de Hausmann e do esquadro de 45°, trabalharia com todo calculismo necessário para erguer uma cidade moderna e com absoluta confiança no poder da engenharia” (TEIXEIRA, 1998, p. 65).
FIGURA 1 – Mapa antigo de Belo Horizonte. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Belo_Horizonte
 
A capital planejada sofre influências do urbanismo da Paris de Hausmann, com seu traçado regular e forma de malha ortogonal, facilitando a higiene bem como rotas militares (FIGURA 1).
5.1.Entorno: A Praça Raul Soares
Em meio ao caos urbano do grande centro, junto à Praça Raul Soares (FIGURA 2 e 3), situada na confluência de quatro importantes avenidas: Olegário Maciel, Augusto de Lima, Amazonas e Bias Fortes, destaca-se na paisagem o imponente Conjunto Governador Jucelino Kubitschek, com seus amplos panos de vidro e concreto aparente e seus pilares singulares.
A Praça Raul Soares constitui-se uma rótula e é uma das principais praças de Belo Horizonte, construída em conforme os padrões do paisagismo francês, tombada pelo IEPHA (Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico). Além do Conjunto, no entrono imediato à praça também está localizado o Mercado Central.
FIGURA 2 – Vista aérea da Praça. Fonte: Google maps
FIGURA 3 – Praça Raul Soares. Fonte: Fotos de Angela Fagundes
5.1.Conjunto Governador Jucelino Kubitschek
 
O Conjunto incorporava a utopia moderna de modificação do modo de vida da sociedade, trazia a influência decisiva sobre os modos de morar e viver das populações urbanas, carregando seus desejos e aspirações, inclusive ordenando e determinando o seu convívio social.
É possível identificar no conjunto os signos do maquinismo, do domínio tecnológico, da padronização, da produção seriada da funcionalidade, típicos do Movimento Moderno. É possíivel ainda identificar quatros dos cinco pontos da arquitetura moderna citados por Le Corbusier: os pilotis, a planta livre, a janela horizontal e a fachada livre (FIGURAS 4 e 5).
O Conjunto destacava-se por ser uma edificação de grande porte (FIGURAS 6 e 7) – a mais alta da cidade – e com um programa complexo e inédito para a cidade de Belo Horizonte. A Unidade de Habitação de Marselha constituiu-se em um dos importantes referenciais para Niemeyer, embora tenha sido construído na zona central em processo de verticalização.
 
 
 
 

FIGURA 4 e 5 – Detalhes dos pilares. Fonte:  Fotos de Angela Fagundes
FIGURA 6 e 7 – Conjunto Governador Jucelino Kubistschek. Fonte: Fotos de Angela Fagundes
5.3.1 Quarteirão e o Conjunto
A implantação do conjunto ocorre através da divisão em dois blocos, um de 23 e outro de 36 andares; é feita de modo que os equipamentos coletivos estão dispostos nos primeiros pavimentos, formando duas bases e duas torres. Uma das bases ocupa toda extensão do quarteirão (120 metros, máximo de quarteirão de Aarão), conforme FIGURA 8.
FIGURA 8 – Implantação do Conjunto. Fonte: MACEDO, 2008, p.443
Previam-se no Conjunto Governador Jucelino Kubitschek repartições públicas estaduais, estação rodoviária, mercado municipal, museu de arte moderna, restaurantes, boate, lojas, hotel, praças de esportes e jardins. As duas torres eram compostas por oito tipologias diferentes de plantas e a ligação entre os blocos ocorre através de uma passarela acima do nível da Rua Guajajaras.
 
FIGURA 9 e 10 – Circulação horizontal. Fonte: MACEDO, 2008, p.457.
FIGURA 11 e 12 – Circulação vertical. Fonte: MACEDO, 2008, p.456.
Em ambas as torres uma forte característica é a identificação das circulações: tanto horizontal, através da distribuição em fita dos apartamentos, ao longo de um extenso corredor central, semelhante à rua interna da Unidade de Habitação de Marselha (FIGURAS 9 e 10); quanto da circulação vertical, que é demarcada em planta baixa da torre mais alta, através de um terceiro volume prismático de base triangular (FIGURA 11 e 12).
“A circulação horizontal, além de ser longa e quase sempre vazia, conta com o agravante da falta de iluminação natural. Já na circulação vertical, os halls de espera dos elevadores são peles de vidro, não raro com algumas peças quebradas. E por fim, a escada de serviço em caracol acentua de forma assutadora a nossa insignificância frente a sua estrutura tão imensa.” (PIMENTEL, 1989, p. 6)
As fachadas são amplos panos de vidro, definidas através de módulos, sendo a base de 3,16 metros de largura, o que definirá os tamanhos dos apartamentos (FIGURAS 13 e 14). Sendo assim, há o módulo de apenas um quarto (de hotel), seguindo as caracteristícas corbusianas de células mínimas de habitação, até o apartamento de cinco módulos, ou seja, de três quartos.
 
FIGURA 13 e 14 – Detalhes da fachada. Fonte: Fotos de Angela Fagundes
5.3.2 Unidades Habitacionais
Nas unidades habitacionais podemos observar a máquina de morar nos apartamentos pequenos com espaços mínimos para suas funções. Nas menores unidades estava previsto apenas um quarto, sem cozinha, ou sem área de serviço, já as mesmas que estariam à disposição nos equipamentos coletivos, como lavanderias, restaurantes, serviços de hotel. A diversidade de modelos de tipologias deve-se ao caráter do modernismo, visto que, anteriormente a configuração disponivel, era de apartamentos padrão, ou seja, uma planta baixa tipo para todos os pavimentos, com um ou no máximo dois modelos de apartamentos diferentes. Em relação a essa diversidade de plantas de apartamentos, observa-se as seguintes tipologias: a) Apartamento Tipo 1: é composto por um quarto sem copa (corresponde a um módulo de 3,16 metros), ocupa os três primeiros pavimentos do Bloco A; b) Apartamento Tipo 2: é composto por um quarto e sala com banho e espaço para geladeira, ainda não apresenta uma cozinha propriamente dita. (corresponde a dois módulos de 3,16 metros); c) Apartamento Tipo 3:  comporto por dois quartos, sala, banheiro e cozinha (corresponde a três módulos de 3,16 metros); d) Apartamento Tipo 4: composto por dois quartos, sala, banheiro, cozinha, área de serviço e dependência de empregada (corresponde a quatro módulos de 3,16 metros); e) Apartamento Tipo 5:  Este é o maior apartamento, composto po três quartos, sala, banheiro, cozinha, área de serviço e dependência de empregada (corresponde a cinco módulos de 3,16 metros). E ainda identificam-se mais três tipologias que se interelacionam: a) Apartamento Tipo A: É um semi – duplex dividido em dois meios níveis com sala e cozinha junto à entrada, e quarto e banheiro acima; b) Apartamento Tipo B: praticamente um quarto de hotel, com uma pequeníssima copa decorrente da conciliação em corte entre o desnível do Tipo A; c) Apartamento Tipo C: É apenas um quarto de hotel, (13,9m²), sem copa, que ficava nos andares alternados, no mesmo nível de entrada do apartamento Tipo (MACEDO, 2008, p.247)
5.      CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
O objetivo de Oscar Niemeyer e Jucelino Kubitschek era repetir o sucesso da Pampulha. Pampulha projetou o nome de Niemeyer para o mundo e consagrou Jucelino na Prefeitura. O intuito agora, com a construção do Conjunto Governador Jucelino Kubitschek, era de repetir o sucesso enquanto governo estadual. A expectativa deles era tamanha ao ponto de os impressos da época falarem que seria a “marca registrada” de Belo Horizonte, com a pretensão de ser o que é a Torre Eiffel é para Paris.
O modernismo tentava impor seus modos de morar, com pretensões de transformar os cidadãos em produtos resultantes da revolução industrial, produzidos em série, mas não foi o que ocorreu na prática: houve a falência do incorporadora e, em razão disso, a obra foi assumida pelo governo do estado. Porém, nesse tempo, foi o início da repressão do governo militar e, com isso Conjunto Governador Jucelino Kubitschek passa a representar uma arquitetura suspeita, principalmente pelo fato do organizar uma planta baixa constituída por grupos diversos da família tradicional, ou ainda pela posição política de Niemeyer.
Algumas alterações no projeto original foram realizadas quando o governo assumiu a execução do Conjunto. Onde estava previsto um Museu de Arte Moderna, por exemplo, foi ocupado por uma delegacia de polícia, a qual encontra-se no mesmo local nos dias de hoje. O terminal rodoviário serve como terminal turístico, não atendendo a população da edificação. O teatro, os cinemas, o hotel e o clube, não foram construídos, ou seja, os símbolos de status, de modernidade ficaram no papel.
“O curioso é que JK e seu aspecto de estigma da modernidade, suas ocorrências policiais e sua aura de condensador desgovernado carrega também a fórmula do maior êxito imobiliário dos nossos dias. O que era um sonho de arquitetos na década de 20 tornou-se modelo concretizado a partir da década de 40 e 50; e essa mesma fórmula virou pesadelo nos anos 70 em todo mundo. Demolições em série, crítica ao aspecto desumano da arquitetura, repúdio a um programa que tinha chegado para propor uma revolução social. Junto com o JK, toda a relação entre arquitetura e sociedade entra em crise a ponto da morte da arquitetura moderna ser decretada simbolicamente por um crítico” (TEXEIRA, 1998, P. 230).
O edifício representa toda a ingenuidade, o otimismo e o exagero do seu tempo. Embora abrangesse diferentes grupos sociais, a apropriação do Conjunto não coincidiu com o público alvo do projeto, a classe média, então emergente.
referências
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
BOTEY, Josep Ma. Oscar Niemeyer. Barcelona: Editora GG, 1996.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1996.
GOOGLE MAPS. https://www.google.com.br/maps. Acesso em 06/4/2014.
MACEDO, Danilo Matoso. Da matéria à invenção. As obras de Oscar Niemeyer em Minas Gerais 1938 – 1955. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008.
PASSOS, Luiz Mauro do Carmo. Edifícios de Apartamentos: Belo Horizonte, 1939 – 1976. Belo Horizonte: AP Cultural, 1998.
PIMENTEL, Thais. A Torre Kubitschek. Belo Horizonte: 1989
SALGUEIRO, Heliana Angiotti: Engenheiro Aarão Reis: o progresso como Missão; Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 1997.
SAMPAIO, Maria Ruth Amaral De. A promoção privada de habitação econômica e a arquitetura moderna: 1930-1964. São Carlos: RiMa/FAPESP, 2002.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900/1990. São Paulo: Edusp, 2010.
TEIXEIRA, Carlos M. Em obras: História do vazio em Belo Horizonte. Rio de Janeiro: Cosac & Naify, 1998.
WIKIPÉDIA. http://pt.wikipedia.org/wiki/Belo_Horizonte. Acesso em 06/4/2014.

AGRADECIMENTOS

PUCRS – Bolsa BPA